As eleições de 2022 e o futuro do PSOL

ANTICAPITALISTAS
27 min readSep 23, 2021

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*por João Machado e Gilson Amaro

Potencializada pela pandemia a realidade brasileira atinge níveis dramáticos de corrosão social e tensão política sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, responsável por uma política genocida e reacionária. A leitura sobre a gravidade da situação une diversos setores da esquerda brasileira, de diferentes e diversas tendências, em um diagnóstico básico, fundamentalmente similar. Mas se por um lado este diagnóstico é praticamente unânime, as consequências tiradas dele divergem muito, tanto nos aspectos de leitura histórica quanto de posicionamento tático e estratégico sobre a atual realidade e os caminhos do futuro.

O retorno do ex-presidente Lula ao cenário da disputa político-eleitoral, após a anulação das condenações que havia sofrido na vara de Curitiba e o reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no julgamento do triplex do Guarujá, trouxe ainda mais complexidade a este quadro. E este é um componente decisivo para aqueles que, no PSOL, dizem acreditar na hipótese de uma frente de esquerda encabeçada por Lula e pelo PT para a disputa da presidência da República e que, na prática, trabalham explicitamente a favor desta mistificada “frente de esquerda”, quase sebastianista.

Para que o debate seja produtivo, seremos precisos nas afirmações, afinal é evidente que uma “frente de esquerda com Lula à cabeça” não tem nenhuma possibilidade de existir. Se o PSOL, abdicando de candidatura própria, compuser esta aliança com Lula/PT baseado nos elementos realmente existentes, sem idealizações, o que teremos de fato será uma adesão programática, política e organizacional do PSOL a um processo que não será de esquerda, tampouco, anticapitalista, mas sim, do status quo.

Desde sua chegada ao governo federal em 2002, as construções políticas de PT e de Lula têm-se baseado em três eixos estruturais: 1) a busca de um pacto com o grande capital, se colocando como seu representante; 2) a construção de alianças com setores fisiológicos da direita brasileira e do mal chamado “centro político” (para compor uma base de governabilidade na lógica do balcão de negócios); e 3) a cooptação das organizações da classe trabalhadora, setores progressistas e populares para a defesa da lógica de conciliação de classes. Esta linha vem sendo defendida em declarações e encontros políticos dos dirigentes petistas, e caracteriza também os governos estaduais do partido.

Para contribuir com o debate partidário escrevemos o presente texto, objetivando aprofundar a discussão e desmistificar elementos das polêmicas em torno de questões táticas e estratégicas do PSOL na atual conjuntura, sobretudo a respeito das eleições de 2022 e das reais implicações de movimentações que podem levar o PSOL a um processo de acomodação aos marcos da governabilidade da ordem do capital.

II- PSOL: Uma alternativa radical à subordinação do governo Lula e PT à ordem neoliberal

Para a correta compreensão dos impactos e consequências da adesão petista à lógica neoliberal, e do consequente surgimento do PSOL, é importante entendermos que o neoliberalismo foi uma resposta global do capital à eclosão de sua crise estrutural, que se iniciou em meados dos anos 70 do século XX. Sua orientação básica foi buscar a elevação das taxas de lucro por meio da alteração das relações entre capital e trabalho — com a redução dos direitos trabalhistas e sociais que haviam sido conquistados no período anterior e com a mudança do papel do Estado, além de ampliar a devastação ambiental.

Depois da segunda guerra mundial, o capitalismo manteve sua dominação mundial, sob a hegemonia do imperialismo estadunidense. Mas foi confrontado com uma onda de lutas sociais, de libertação nacional e de caráter socialista, num quadro em que a União Soviética se reforçou e pôde, por algumas décadas, fazer contraponto aos EUA. O impulso da revolução de 1917 havia sido contido pelo reforço da burocracia e a degeneração do Estado soviético, e a URSS mantinha uma relação contraditória com as lutas populares (elas eram reprimidas na própria URSS e nos países sob seu domínio, e eram às vezes apoiadas em outros países, sempre com a preocupação da direção soviética de mantê-las sob seu controle) ainda sobre a experiência soviética é importante a análise de István Mészáros que afirma:

“não é o burocrata que produz o perverso sistema do capital de tipo soviético, por mais que ele esteja implicado em sua desastrosa condução, mas, antes, a forma de capital pós-capitalista herdada e reconstituída faz emergir sua própria personificação na forma do burocrata como o equivalente pós-capitalista do antigo sistema do capital¹ ”

A política internacional da União Soviética após a Segunda Guerra Mundial foi, basicamente, conservadora. Respeitou a divisão do mundo nas esferas de influência, e depois nos dois blocos, estabelecida a partir dos acordos entre as grandes potências vitoriosas (URSS, EUA e Reino Unido). Favoreceu a contenção das lutas revolucionárias desenvolvidas nos países que deveriam pertencer ao bloco capitalista (como a França, a Itália e a Grécia), e apenas a contragosto admitiu a vitória dos partidos comunistas na Iugoslávia e na China².

O fato é que, mesmo procurando evitar processos revolucionários, a URSS não podia, na época, deixar de apoiá-los uma vez vitoriosos. Assim, o simples fato de ela existir como contraponto ao bloco capitalista favorecia estes processos, o que levava os Estados capitalistas a temerem o “perigo comunista” e os levava à aceitação de políticas que faziam concessões às massas populares. Isto contribuiu, por três décadas aproximadamente, para o predomínio nos países capitalistas de políticas keynesianas e social-democratas. Este arranjo permitiu à economia mundial ter nestas décadas o maior crescimento de sua história, e abriu espaço também para experiências “desenvolvimentistas” nos países dependentes.

O início da crise estrutural do capital, com suas manifestações na economia capitalista a partir dos anos 70 do século XX pôs fim a isto. As grandes lutas sociais do pós-segunda guerra tinham ficado para trás (embora processos revolucionários continuassem a se desenvolver na periferia capitalista), os países capitalistas centrais tinham se reforçado economicamente nas décadas de prosperidade, e a URSS sucumbia sob o peso das contradições e limites da sua concepção de sociedade, que não conseguiu romper com sistema global do capital e seu processo sociometabólico³.

Sob uma severa dominação da burocracia, a economia do “bloco soviético” estagnou e se enfraqueceu diante da concorrência dos países capitalistas. São estas condições que permitiram a emergência do neoliberalismo, uma política sistêmica muito mais agressiva do capital.

As políticas neoliberais foram antecipadas pela ditadura chilena nos anos 70, e depois postas em prática no Reino Unido com Margareth Thatcher (a partir de 1979) e nos EUA com Ronald Reagan (a partir de 1981). Tornaram-se amplamente hegemônicas nos anos seguintes nos países capitalistas centrais e, um pouco mais tarde, também nos países dependentes. Houve processos de lutas de classes, tanto de resistência quanto de cunho revolucionário, muito fortes, mas os setores populares foram derrotados.

No Brasil, políticas neoliberais começaram a ser implementadas nos últimos anos do governo Sarney no final da década de 1980, e foram reforçadas nos governos Collor, Itamar e FHC. Embora o PT até chegar ao governo tenha sempre combatido estas políticas, Lula assumiu, já antes de sua eleição em 2002, o compromisso de não romper “unilateralmente” com elas. Foi este o sentido fundamental da “Carta ao Povo Brasileiro”4.

Após a eleição, Lula prosseguiu dando garantias de que o fundamental das políticas neoliberais seria mantido. Escolheu o banqueiro Henrique Meirelles (que havia sido eleito deputado federal pelo PSDB em 2002) para presidente do Banco Central, manteve o regime de metas de inflação (que representava, na época, o “estado da arte” da política monetária ortodoxa) e anunciou a elevação do “superávit fiscal primário” entre outras medidas do receituário de ajuste neoliberal.

Nesta agenda neoliberalizante e de oferecimento de “garantias” aos “mercados”, merece destaque a “reforma da Previdência”, anunciada no início de 2003 e aprovada no mesmo ano, que teve como alvo o funcionalismo público. Se, comparada à reforma aprovada no governo Bolsonaro, ela pode ser considerada menos drástica, é importante destacar que ambas têm o mesmo “espírito” de redução de direitos e estão historicamente ligadas ao mesmo fenômeno, produzindo por consequência um grande retrocesso histórico.

Na batalha para aprovar a reforma de 2003, o governo Lula e seu “campo majoritário do PT” tiveram de enfrentar duro combate no próprio partido, para impor por cooptação e coerção, a obediência ao governo. Para tanto, ameaçou com a expulsão os insubordinados — o que de fato foi feito. Foi a demonstração definitiva de que o PT tinha aceitado se subordinar à ordem neoliberal.

Assim, a expulsão em 14 de dezembro de 2003 dos então chamados radicais do PT foi central na futura construção do PSOL, e não pode ser vista apenas como uma escolha circunstancial da cúpula petista, ou como uma medida pontual; foi na realidade o momento decisivo em que o PT consolidou a passagem da negação da ordem da capital, que o caracterizou em seus primeiros anos, à sua defesa ardorosa e por todos os meios, o que segue como sua marca desde então.

Muitas das políticas sociais petistas, conforme dissertaremos nas linhas a seguir, ocorreram sob o imperativo do mercado, sendo expressão da neoliberalização política e social levada cabo, sobretudo pelo governo Lula. A máxima sempre foi: “para o grande capital e as oligarquias, tudo; para o povo brasileiro, as sobras e políticas sociais parciais e focalizadas”.

Portanto, como não poderia deixar de acontecer, os governos do PT também realizaram políticas voltadas para atender interesses populares e para atenuar os efeitos do neoliberalismo, aplicado pelos petistas e que geravam impactos eleitorais negativos para o projeto de manutenção no poder do PT. Assim, adotaram medidas de redução da desigualdade extrema (como o programa Bolsa Família e a recuperação parcial do salário-mínimo) e de atendimento a demandas sociais, em áreas como educação e habitação. Podemos afirmar que o critério foi, além de um cálculo eleitoral, realizar tudo dentro dos limites e lógica do mercado, sem entrar em choque com a ordem neoliberal ou com as classes dominantes, constituindo uma expressão evidente de “menospiorismo” que é uma síntese das politicas petistas.

Conforme as políticas mercadológicas de “menospiorismo” foram executadas, a ordem neoliberal foi fortalecida: foram mantidos mesmo os “programas de transferência de renda para as classes dominantes” — por exemplo, manteve-se a priorização do pagamento da dívida pública, inclusive com a já citada elevação, logo no início do governo Lula, da meta de “superávit fiscal primário”. Parte dos defensores dos governos do PT dizem que seus governos foram “desenvolvimentistas”. Entretanto, esta caracterização é descabida: um traço básico do “desenvolvimentismo” sempre foi buscar o avanço da industrialização, mas os governos do PT mantiveram a tendência à desindustrialização e à “reprimarização da economia”, processo pelo qual o Brasil tem passado desde o final dos anos 1980.

Para além dos aspectos mais econômicos e sociais das políticas adotadas pelos governos do PT, é importante lembrar que eles tomaram muitas medidas regressivas em questões ambientais. Não podemos nos esquecer das grandes barragens, da transposição do São Francisco, dos megaprojetos de mineração, do avanço dos transgênicos e do crescimento exponencial da utilização dos agrotóxicos. É certo que nada se compara à devastação promovida pelo governo Bolsonaro, mas foi em um governo do PT que ocorreu o crime da Samarco/Vale/BHP, em Mariana-MG, que soterrou o subdistrito de Bento Rodrigues e devastou o Rio Doce, privando cidades inteiras de água potável.

A ampliação da educação superior promovida nos governos do PT facilitou o acesso ao ensino superior de setores antes excluídos — é importante chamar a atenção para a maior presença de negras e negros. Entretanto, em parte esta ampliação se deu por mecanismos de financiamento do ensino privado, que fortaleceu e criou impérios corporativos dos “barões do ensino privado”. Logo, ainda que este avanço seja uma das razões do ódio que os setores racistas da sociedade brasileira têm ao PT, não houve aqui, tampouco, confronto com a ordem neoliberal, mas uma neoliberalização das políticas sociais.

Aliás, quem talvez tenha salientado com mais nitidez o sentido geral de adaptação à ordem neoliberal que os governos do PT tiveram foi o próprio Lula. Em uma entrevista-balanço concedida a Emir Sader e Pablo Gentili, “O necessário, o possível e o impossível”, feita para o livro Lula e Dilma: 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil (Editora Boitempo-FLACSO, 2013) e publicada com data de 20/05/2013 no site Carta Maior, vinculado ao PT, ele disse o seguinte sobre seu governo:

“(…) eles [a oposição] nunca ganharam tanto dinheiro na vida como ganharam no meu governo. Nem as emissoras de televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais, quase todos quebrados quando assumi o governo. As empresas e os bancos também nunca ganharam tanto, mas os trabalhadores também ganharam.”

E acrescentou, para não deixar nenhuma dúvida:

“Agora, obviamente que o trabalhador só pode ganhar se a empresa for bem. Eu não conheço, na história da humanidade, um momento em que a empresa vai mal e que os trabalhadores conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego.”

Obviamente, não se trata de uma visão de esquerda, e muito menos, socialista.

É importante que se compreenda que o surgimento do PSOL foi uma resposta histórica a este processo de plena adesão do PT ao neoliberalismo. A partir da expulsão dos radicais do PT em dezembro de 2003, seguiu-se o processo de construção do partido, cuja fundação foi oficializada em 06 junho de 2004, e seu registro definitivo conseguido em 15 de setembro de 2005. Outros setores mais à esquerda do PT ingressaram no partido, no mesmo ano e nos anos seguintes, impulsionados pelos escândalos de corrupção, pelo fim da democracia interna no PT e abandono completo do socialismo.

III- PSOL: Oposição de esquerda: contra o neoliberalismo e a corrupção

Além da subordinação ao neoliberalismo, a reforma da Previdência de 2003 também concretizou a adesão do governismo petista aos métodos mais escusos de “governabilidade”. Foi no esforço para aprovar o desmonte da previdência e retirada de direitos de trabalhadores que se originou o escândalo de compra de votos de parlamentares conhecida como “Mensalão”.

As evidências desta compra de votos parlamentares levaram o PSOL, além de muita mobilização social, a ingressar, em 2012, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4889). O fundamento desta ação foi o fato da comprovada compra de votos ter viciado o processo legislativo que aprovou a retirada de direitos previdenciários de trabalhadores. A ADI exigiu, então, que a reforma fosse anulada. A ação não obteve êxito jurídico, mas possui um profundo significado político sobre o lado e papel do PSOL contra os governos da ordem do capital.

O PSOL se consolidou durante os governos PT como uma oposição de esquerda radical. A expulsão daquelas que seriam lideranças da fundação do PSOL, e o método baseado na compra de votos para aprovar projetos neoliberais, são fatos históricos, mas não dizem respeito apenas ao passado. A reforma a que nos opusemos firmemente expressou, na verdade, dois eixos estratégicos que o PT tem mantido: a execução dos desígnios do grande capital, ainda que nem sempre na escala que este deseja, e a construção de alianças com setores fisiológicos da direita para garantir este projeto.

Enfrentamos duro combate nas bases sociais contra as forças do governismo petista, nos movimentos sociais, sindicalismo, ou seja, no âmbito das organizações dos trabalhadores como um todo, além do parlamento. Os embates se davam pois sempre fizemos uma oposição de esquerda e radical contra a adesão do bloco petista ao capital e aos métodos fisiológicos da Nova República.

Constatamos neste período que o então governismo lançou um amplo processo de cooptação e de rebaixamento ideológico, visando estabelecer o PT e seu governo como o ápice do “realmente possível” na política nacional, do ponto de vista dos trabalhadores, colocando todos que se opusessem como inimigos, sectários e “quinta-coluna” da direita. Uma absurda mistificação sustentada por uma grande burocratização de sindicatos e movimentos sociais.

Também é importante destacar que truculência, enquanto método de controle político e social, foi regra geral durante os governos PT, e ainda segue existindo deste modo nos estados governados pelo petismo. Não foram poucas vezes que nossa militância foi reprimida nas ruas pelas forças de defesa da ordem neoliberal sob comando do PT, justamente por ter realizado uma oposição de esquerda.

Enfrentamos muitas vezes o que se caracterizou por uma violenta coalização tucano/petista. Podemos destacar principalmente a repressão aos protestos de junho de 2013 e a brutal repressão lançada contra o movimento “Não vai ter copa” em 2014, e a criminalização dos movimentos sociais com a aprovação da lei antiterrorismo, ainda no governo Dilma (2016). Estes são apenas alguns exemplos da repressão levada a cabo pelo consórcio neoliberal do qual o PT se tornou parte.

IV- O Brasil pós 2016 e por que setores do PSOL têm defendido a adesão ao bloco petista nas eleições de 2022?

Enquanto o PT esteve governando o Brasil, o PSOL não poderia deixar de fazer oposição a ele. Entretanto, desde a saída do PT da presidência da república, a localização petista mudou no plano federal — de situação para oposição. De certa maneira, aproximou-se então do PSOL.

Os governos que se seguiram têm sido diferentes dos governos do PT. Assumiram um caráter nitidamente antipopular — ao contrário do PT, não procuraram fazer nenhuma conciliação entre capital e trabalho, nem mesmo como aparência. A burguesia exigia políticas de retiradas de direitos muito mais duras do que governos do PT pareciam capazes de fazer naquele momento. Tinha sido justamente por isto que a grande maioria da classe dominante brasileira apoiara o impeachment de Dilma Rousseff. Temer, com a “ponte para o futuro” do PMDB, promoveu uma mudança na Constituição inédita no mundo: a emenda do “teto de gastos”, na qual o privilégio dos interesses do capital financeiro e o descaso pelas condições de vida da população ficaram inteiramente explícitos. Já o governo Bolsonaro tem procurado fazer a combinação de políticas como estas com uma agenda de fortes características fascistas.

A análise das causas e origens do golpe de 2016 é frequentemente feita sob a ótica do PT e de forma distorcida, sendo reproduzida ingenuamente por setores progressistas, que internalizaram a narrativa parcial e equivocada de que estávamos na emergência de uma “onda conservadora”. Esta, é importante dizer, uma leitura rasa que abstrai a compreensão dos fenômenos políticos no contexto de ofensiva do capital contra trabalho e se esquiva de encarar contradições, caráter regressivo e limites do projeto petista. No lugar de identificar o que opôs a classe dominante brasileira ao governo do PT, que devido ao aprofundamento da crise, compreendeu que as políticas neoliberais postas em prática pelo PT passaram a ser vistas como insuficientes, passou-se a atribuir aos governos do PT um caráter “totalmente positivo” na defesa dos direitos do povo, o que é uma grande mistificação da realidade.

Esta caracterização desconhece, por exemplo, que uma das grandes razões da perda de apoio que Dilma sofreu logo depois das eleições de 2014 foi o “cavalo de pau” na economia que ela anunciou ainda antes da sua posse no segundo mandato, quando escolheu para ministro da Fazenda um economista muito ortodoxo, Joaquim Levy, e anunciou um forte ajuste fiscal.

É verdade que o fato de a Lava Jato ter feito uma grande campanha contra os governos do PT contribuiu para o aumento da rejeição ao governo; mas a evidência de que Dilma tinha praticado um “estelionato eleitoral”, encaminhando logo depois de eleita o que ela tinha dito que não faria “nem que a vaca tussa” não teve menos importância para a revolta de setores que antes apoiavam o PT.

O Impeachment de Dilma não foi consequência apenas de uma conspiração da burguesia, com setores mais à direita do judiciário e do ministério público, da grande mídia e do congresso (muitos destes últimos, aliás, apoiaram Dilma até 2014). Esta conspiração existiu, é certo, e foi facilitada pelo fato de os governos do PT terem mantido métodos de governo, de financiamento de eleições e de compra de apoio não muito diferentes dos usados tradicionalmente pela burguesia brasileira.

Mas o agravamento da crise (em parte resultado de políticas econômicas que se baseavam na ilusão de que todas as classes podiam ganhar em uma economia capitalista — numa economia capitalista dependente! — e que se dobraram à pressão burguesa para tentar um ajuste fiscal duro numa economia que já estava entrando em recessão) teve grande protagonismo. E um papel talvez ainda maior teve a desmobilização do movimento operário e popular promovido pelos governos do PT desde seu início, acentuado pela frustração com a guinada pós eleição de 2014 de Dilma. A conspiração anti-PT da burguesia encontrou um terreno fértil para prosperar, com um grau baixo de resistência do PT e dos movimentos populares.

Depois do golpe de 2016, com PSOL e PT na oposição, teria de haver alguma aproximação entre os dois partidos, em virtude de lutas concretas contra Temer/Bolsonaro, e da mudança de orientação que o PT, chutado por antigos aliados para a oposição no plano federal, não poderia deixar de fazer. Entretanto, esta mudança do PT não significa uma mudança de fundo na sua subordinação deste partido à ordem neoliberal, na adoção de métodos fisiológicos de política ou na ação de rebaixamento ideológico da classe trabalhadora com a disseminação da conciliação de classes. As inconsistências do PT na oposição às novas “reformas”, mais duras e antipopulares, e a busca, no fundamental, das mesmas alianças com setores burgueses e antipopulares de antes, deixa isto muito nítido.

O PSOL, por outro lado, foi contrário ao impeachment de Dilma Rousseff, compreendendo que ele, além de ser um golpe, visava endurecer políticas antipopulares. Em 2018, o PSOL defendeu Haddad no segundo turno, e se mobilizou para virar votos, tirando-os de Bolsonaro. Não há dúvida de que é necessário termos unidade de ação com todos os partidos e setores sociais que se dispõem a combater políticas neoliberais ou de extrema-direita. Isto inclui, obviamente, unidade de ação com o PT e outras forças que se colocam contra o desmonte. Por outro lado, continua a ser necessário enfrentar os partidos que, mesmo se opondo ao governo federal para combater políticas neoliberais, praticam exatamente o mesmo em seus estados, como fizeram e fazem PT, PC do B e PSB, ao implementarem “reformas” estaduais que seguiram e reforçaram a “reforma” da Previdência federal de Bolsonaro.

A existência de posições contraditórias por parte do PT, lançando mão de um combate a política bolsonarista no plano federal, mas aplicando a mesma lógica ultraliberal nos estados e municípios que governa, por si só, revela que a oposição que fazem ao bolsonarismo não é integralmente programática, mas apenas de ocasião em diversos pontos da agenda política. No que se refere as bases fundamentais dos ditames neoliberais, muitas vezes não há desacordo estrutural entre o PT e os partidos burgueses, apenas nuances de intensidade e ritmo e métodos de aplicação. Como o PT continua acreditando na conciliação dos interesses populares com a dominação capitalista, ele acredita que é sempre possível atenuar as políticas antipopulares exigidas pela burguesia e abrir espaço para algum “menospiorismo”.

Fica evidente que o simples fato da passagem do PT para a oposição no plano federal não deveria mudar o entendimento do PSOL a respeito da natureza dos governos do PT e do próprio PT (e de seus aliados), ainda mais quando o PT mantém a defesa integral de tudo o que fez em seus governos. Entretanto, setores do PSOL iniciaram um tipo de revisionismo histórico, internalizando em nossas fileiras os mesmos argumentos que eram corretamente combatidos pelo PSOL, quando realizávamos uma oposição de esquerda aos governos Lula e Dilma.

Por mais que alguns setores se esforcem para revisar a história e abrandar o balanço crítico dos governos petistas que o PSOL fez desde sua fundação, ao desconhecer, ou buscar intencionalmente dissociar o “legado petista” de suas consequências para o agravamento da crise política, econômica e social brasileira, esta tentativa de reabilitação do petismo, além de se afastar flagrantemente dos fatos, esta condenada a produzir graves consequências práticas.

O debate crítico da história brasileira, sobretudo o período mais recente, que engloba o ciclo petista é essencial para a compreensão da ascensão de Bolsonaro e nos traz elementos centrais para construção de uma verdadeira alternativa que prepare um período de ofensiva da classe trabalhadora contra as forças do capital.

A gravidade da conjuntura que se abriu com a eleição de Bolsonaro, que possui explícitos intentos golpistas, somadas a defesa de pautas reacionárias de inspiração nazifascista, levou setores do PSOL a confundir a urgente necessidade de unidade na luta antifascista, democrática e contra o genocídio bolsonarista, com a defesa do status quo por meio de uma adesão do PSOL a projetos eleitorais de uma suposta frente de esquerda ou ainda do genericamente chamado “campo democrático”, ou “campo progressista” em uma frente ampla.

Muitas posições são justificadas por uma visão impressionista da conjuntura e uma leitura equivocada sobre as causas do ascenso da extrema-direita no Brasil e no mundo, que não pode ser vista de forma dissociada dos efeitos da crise estrutural do capital e do neoliberalismo. Outras são justificadas por uma má compreensão da tradição da tática de frente única defendida pelos setores mais consequentes da Internacional Comunista, nos anos 20 e 30 do século XX.

Uma boa tática de frente única visa, certamente, criar melhores condições para o enfrentamento de um inimigo comum (como o bolsonarismo e o neoliberalismo). Mas inclui, até para que este enfrentamento seja realizado com mais eficácia, a disputa de orientação no movimento entre setores revolucionários e setores mais reformistas e conciliadores. Disputa de orientação é disputa de consciências. Exige dizer a verdade, fazer críticas sempre que sejam importantes, buscar elevar o nível de consciência das massas — e jamais reforçar suas ilusões e contribuir para que esqueçam a experiência do passado.

Infelizmente prosperam na esquerda brasileira leituras rasas e inclusive a-históricas. Importante destacar que o neoliberalismo não é apenas uma “questão econômica”, mas um ajuste social global, com grandes consequências políticas e ideológicas, conforme a famosa frase Margareth Thatcher, expoente do neoliberalismo: “a economia é o método, o objetivo é mudar o coração e a alma.”

O neoliberalismo é essencialmente antidemocrático e visa enfraquecer a classe trabalhadora e suas lutas. Certamente o crescimento da extrema-direita, com suas atuais feições, é produto deste arranjo societário em nossa quadra histórica. Enfrentar a ameaça fascistizante exige enfrentar o neoliberalismo e, não compor com forças que o aplicam.

Para evitar mais confusões políticas, precisamos diferenciar a unidade de ação contra Bolsonaro e outros fascistas, que pode ser feita inclusive com forças liberais “democráticas”, em torno de pautas concretas como o impeachment, vacina, verbas para saúde educação, entre outras questões, de uma aliança programática em projetos de governo com forças neoliberais, com as quais o petismo atualmente se alia e compõe organicamente.

Seria mais produtivo que setores do partido deixassem de fantasiar sobre a aliança com PT, à priori como uma “frente de esquerda” (argumento que é desprovido de qualquer base material e histórica) e passassem a se questionar sobre qual seria o programa de superação da crise e de enfrentamento das bases políticas e materiais que nutrem a extrema direita brasileira, que deveríamos encarnar em um verdadeiro projeto de enfrentamento estrutural da crise.

Seria um grave erro o PSOL aderir a um bloco do status quo, o qual, historicamente, contribuirá para o agravamento da crise e fortalecimento da extrema-direita em um eventual cenário pós-Bolsonaro. Precisamos de um programa que deve obrigatoriamente romper com o neoliberalismo e com os setores fisiológicos da política nacional, abrindo um processo de mobilização social com vista a produzir mudanças radicais na sociedade brasileira, como tem se demonstrado no debate realizado em torno da pré-candidatura de Glauber Braga à presidência da república pelo PSOL.

Muitos setores do PSOL questionam a necessidade do partido ter uma candidatura própria no primeiro turno da eleição a presidente prevista para 2022. Existem pelo menos, duas variantes da defesa do apoio a Lula no primeiro turno pelo PSOL (se deixamos de lado o que seria uma terceira variante, o “apoio com um programa de esquerda e alianças no campo de classe dos trabalhadores”, porque sabemos que esta hipótese pertence apenas ao terreno da auto-ilusão e não tem nenhum ingrediente de realismo).

A primeira variante (defendida basicamente pelos apoiadores da tese “PSOL Popular” — Primavera Socialista e outras correntes) diz que, após o apoio a Lula no primeiro turno, e de sua possível eleição, o PSOL deveria também participar do futuro governo — repetindo a ilusão de que setores da esquerda do PT tiveram de que seria possível disputar o governo Lula “por dentro”. Nesta hipótese, o PSOL se comprometeria com um governo de conciliação de classes, e toda sua história até hoje, todos os sacrifícios feitos na sua construção seriam jogados no lixo, tornando o PSOL um “partido da ordem”.

A outra variante (defendida pela tese “PSOL Semente” — Resistência e outras correntes -esta visão está explicitada na própria tese) é dizer que após apoiar Lula no primeiro turno, o PSOL deveria se recusar a participar do futuro governo, que seria um governo de conciliação de classes — logo, um governo que promoveria a subordinação das classes exploradas e dos setores oprimidos à ordem do capital. O PSOL, após apoiar Lula no primeiro turno, passaria a fazer oposição a seu possível governo. A razão da defesa de uma linha tão tortuosa seria a avaliação de que a falta de apoio do PSOL a Lula no primeiro turno não seria compreendida pelas massas de trabalhadoras e trabalhadores e pelos setores populares, que querem derrotar Bolsonaro e que acreditam que, para isto, é necessário eleger Lula.

A posição acima é marcada pela confusão, e caberia perguntar por que, se fosse assim, a recusa à participação no governo (desde o início) depois seria compreendida? Faz muito mais sentido dizer que, para que a posição dos setores que defendem que o PSOL se mantenha no terreno da independência política de classe seja bem compreendida, ela deve começar a ser enunciada desde agora, sem medo, vacilações ou dubiedade.

Deste modo, se recusamos a participação num governo que, já sabemos, será de conciliação de classes e neoliberal, tampouco devemos apoiar num primeiro turno um candidato que tem esta orientação. Independentemente do que pensam os apoiadores desta tese, se tratará de uma adesão política do PSOL e tal argumento por eles levantados constitui uma falácia. A premissa não sustenta a conclusão.

Podemos explicar nossas diferenças de modo tranquilo, enquanto expomos nossa visão sobre qual tipo de governo seria melhor para o Brasil. E, ao mesmo tempo, deixar nítido que se o PSOL não estiver no segundo turno, defenderá voto contra Bolsonaro, seja com Lula ou com outro candidato. Uma conversa franca sobre o PT e seus governos é muito mais pedagógico, e contribuiria muito mais para elevar o nível de consciência do eleitorado popular, do que apoiar um programa que será orgânico do grande capital ou insuflar o messianismo lulista.

Outro ponto importante é que tem ficado crescentemente mais nítido que Bolsonaro terá de ser derrotado o quanto antes — ele até já anunciou que não aceitará o resultado das eleições. É certo que, depois das ameaças mais explicitamente criminosas do 7 de setembro, ele recuou e anunciou respeito à Constituição. Mas quem acreditar que ele foi sincero ao dizer isto merece ganhar o grande prêmio da auto-ilusão; recuo não é conversão, mas sim um elemento tático.

Bolsonaro certamente continuará a atacar as instituições, e é muito difícil que, se ele estiver ainda na presidência depois de ter cometido os crimes em penca que já cometeu, e os que cometerá nos próximos meses, as eleições possam ser minimamente normais. A consciência disto nos impõe a conclusão de que precisamos de frente única no terreno de classe e de uma unidade de ação mais ampla para derrotar Bolsonaro agora ou nos próximos meses, e não de uma unidade eleitoral confusa no próximo ano.

V- Unidade é importante; mas de que maneira?

O que é exigido da esquerda e dos setores populares é busca de unidade no terreno de classe, unidade de ação, ou unidade em questões específicas, mas não unidade programática com partidos que têm uma linha de buscar a conciliação de classes e aplicar os ditames do capital e das oligarquias, mediando minimamente os efeitos da devastação. A mistificação e falta de compreensão sobre o tema da unidade, tem contribuído para muitas distorções nos debates políticos da esquerda brasileira.

Um governo de conciliação de classes não é um governo que defende interesses de setores populares mas que faz alguma negociação com as classes dominantes para viabilizar algum avanço, mediante cálculos eleitorais; é um governo que desmobiliza os setores populares e que evita que eles se enfrentem com as classes dominantes na defesa de seus interesses legítimos, e que divulga a ilusão de que, no capitalismo (e mesmo em um capitalismo dependente como o brasileiro) “todos podem ganhar” e na verdade, a classe trabalhadora sempre perde.

A unidade programática do PSOL com partidos que têm esta linha implicaria renúncia à independência de classe. Ou seja, renúncia à defesa dos interesses básicos dos explorados e oprimidos, e colaborar para que suas reivindicações não sejam atendidas. O que está em jogo não é um debate de unidade do PSOL com outras forças, mas sim da adesão programática, mascarada da indisfarçada lógica de “salvação nacional’.

O PSOL precisa defender uma alternativa não apenas ao bolsonarismo, mas às políticas do grande capital que se associaram a ele. O Bolsonaro é uma expressão da crise, reduzir toda crise ao Bolsonaro é não entender a dimensão do perigo da extrema direita e do caos econômico e social que se aprofunda. Longe de ser uma mera autoafirmação do PSOL, a defesa da candidatura própria, e de uma verdadeira frente de esquerda, na difícil conjuntura que vivemos, tem um claro sentido programático e de construção histórica.

Não se pode confundir a necessária e urgente unidade pela deposição de Bolsonaro e para evitar a continuidade de seu governo (e o PT sequer tem agido de forma coerente nesta direção) com a incorporação do PSOL a um programa e a uma lógica de governabilidade que não representará nenhuma ruptura com a estrutura que opera a lógica de superexploração do capital e manutenção das estruturas de segregação social no Brasil. Não se pode confundir luta democrática com a defesa do status quo.

Com o agravamento da crise da economia capitalista e das crises conexas — como a catástrofe ambiental, a crise humanitária — não podemos deixar de apontar a necessidade de superar o capitalismo, uma política anticapitalista.

VI- Conclusão: não podemos renunciar à construção que fizemos até aqui e por que Lula não é a saída para derrotar Bolsonaro e a extrema direita.

Como vimos, o PSOL nasceu a partir da transformação do PT num partido defensor da ordem capitalista — posição que foi inteiramente explicitada quando o PT assumiu o governo do país. O PSOL teve de começar sua construção quando o PT ainda despertava muita esperança, e enfrentou muitos momentos difíceis. Apesar de isto, conseguiu crescer, ainda que lentamente. Precisa de avançar mais, mas, para isto, tem de evitar perder o que já conquistou. Não pode se subordinar ao PT e à sua orientação que reduz o horizonte de suas políticas ao que pode ser feito sem romper com o capitalismo e sem enfrentar a burguesia. Nosso partido não pode aderir a aqueles que dizem que não há alternativa à lógica do capital.

Provavelmente será verdade que, se houver eleições razoavelmente normais, há grandes indicações de que Lula será o candidato com melhores condições de ganhar. Pesquisas apontam que ele pode vencer até no primeiro turno. Uma tal vitória, comparada a Bolsonaro poderá ser encarada como positiva no curto prazo para alguns setores da sociedade. Ademais, frente ao atraso e destruição levada a cabo por Bolsonaro, não será difícil ser positivo em um quadro comparativo de curto prazo, mas o aprofundamento da crise social, política e econômica, não tolerará dubiedades. A saída não se dará nos marcos da ordem do capital, assim, quem não construir politicas de ruptura aplicará os ajustes e ataques contra a classe trabalhadora.

Portanto, a capacidade de um governo com a linha defendida pelo PT, e com as alianças que ele fará, fazer todos os enfrentamentos necessários com o bolsonarismo, a extrema direita e o neoliberalismo será muito reduzida. A auto-organização de todos os explorados e oprimidos pelo capital ainda não avançou o suficiente para se colocar no plano político como alternativa imediata. Mas precisará fazê-lo, e esta auto-organização, isto é, um movimento de unidade e auto-organização no campo de classe não pode ser adiado, precisamos avançar urgentemente na construção de uma força extraparlamentar, ao mesmo tempo que não podemos cometer erros na esfera eleitoral, abdicando de uma candidatura e programa próprio em 2022.

Para o PSOL o debate programático é uma necessidade muito além do debate eleitoral. A construção programática é fundamental para a qualificação dos processos de auto-organização, ao mesmo tempo que será aprimorado pela luta pratica cotidiana nas mais diversas frentes, portanto não devemos confundir programa com agenda eleitoral, ela é uma parte de um programa para a construção socialista.

Será preciso ir muito além do que o PT é capaz: ultrapassarmos, com nossas propostas, os limites aceitos pelas classes dominantes no capitalismo. Ver as mobilizações de massa de explorados e oprimidos como a principal força de avanço (e não como forças ameaçadoras que precisam ser reprimidas, como o PT fez várias vezes). O PSOL surge como uma força contra a ordem do capital e deve se manter nesta posição, sua localização como oposição radical e de esquerda é fator chave frente a qualquer governo da ordem que venha a se eleger em 2022, além disso, construir e afirmar um programa anticapitalista, trabalhando na construção de uma candidatura própria que expresse isso, deve ser nossa tarefa central no terreno da luta eleitoral.

É necessário urgentemente derrotar Bolsonaro, a extrema direita e todas as forças neoliberais. O PSOL precisa construir um polo contra a ordem do capital, reafirmando-se como um partido socialista e que reforça a unidade do movimento operário e popular com independência de classe e projeto de auto-organização.

* Gilson Amaro: Dirigente Estadual do PSOL-SP e membro da coordenação do Coletivo Anticapitalistas

* João Machado: Membro da Coordenação Nacional da Comuna

Notas:

1- MÉSZÁROS, I. Para Além do Capital — rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Editora Boitempo, 2002. p 720.

2- Toda esta política é bem explicada (e criticada) no livro “A Crise do Movimento Comunista”, de Fernando Claudín, em sua Segunda Parte (“O Apogeu do Stalinismo). Este livro precioso, publicado inicialmente pela editora Ruedo Ibérico em 1970, teve duas edições brasileiras; uma da Global Editora (São Paulo), em dois volumes (1985–86), e a segunda em 2013, da editora Expressão Popular. Estas duas edições contaram com apresentações de José Paulo Netto (a da edição mais recente, atualizada, é de 2012).

3- A leitura feita aqui se apoia na tradição marxista crítica, que inclui a contribuição de István Mészáros. Resgatando e desenvolvendo a concepção marxiana que diferencia capital e capitalismo teremos uma correta leitura da experiência soviética. O sistema do capital é composto pelo tripé (capital, trabalho, Estado), portanto tem uma dimensão de totalidade social e, ao não romper com o tripé do capital a sociedade soviética se manteve sob seu controle sociometabólico. Mesmo tendo constituído uma experiência pós capitalista, o trabalho nesta sociedade esteve submetido aos imperativos estruturais hierárquicos do capital, não havia mais-valia, mas a apropriação do sobretrabalho ocorria de forma política pelo Estado soviético. István Mészáros é enfático ao afirmar que devemos construir processos para além do capital, rompendo com seu domínio sociometabólico, ele resgata ainda outra diferenciação importante, ou seja, a diferença entre revolução social e revolução política. Para superar o capital não é suficiente apenas uma revolução política, que politicamente negue ou suprima a dominação do capitalista, criando um Estado pós capitalista, é necessária uma revolução social que supere o processo sociometabólico do capital e seu sistema.

4- A “Carta ao Povo Brasileiro” (https://www.google.com/search?client=firefox-b-

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